segunda-feira, 11 de abril de 2011

O cheiro do ralo

por Rafael Sorano, terça, 29 de março de 2011 às 14:06

A Fifa reclama... e a OMS diz que 13 milhões de brasileiros não tem banheiro. O Brasil ocupa o 9º lugar no ranking mundial dessa modalidade. Mas, claro, isso não é nada se formos os primeiros do mundo no futebol: “Já pensou, hein, que chance incrível de nos vingarmos dos uruguaios?”. Ouvi isso de um torcedor embanheirado. E eu nem sei exatamente que merda eles fizeram contra nós... Enquanto isso, na sala do TCU, um auditor com dor de barriga disse que os gastos com a Copa no Brasil devem chegar a R$ 23,5 bilhões e que 98% desse valor virá da descarga de dinheiro público. Já o Programa "Saneamento para Todos" do governo federal gastou em 2010 só R$ 3,7 bilhões. Imaginem só o Brasil numa chave com Índia, Indonésia, China, Etiópia, Paquistão, Nigéria, Sudão, Nepal e Niger. Pois é, esses são nossos companheiros no Top-Top Ten dos sem banheiro. Nojento? Não se preocupem: Ver a partida final da Copa vai custar mil reais. Ver o povo brasileiro enfezado não tem preço!

segunda-feira, 21 de março de 2011

Sempre é hora de aprender com os norte-americanos

 por Rafael Sorano, segunda, 21 de março de 2011 às 06:57


Afora a semântica diplomática do artigo 2º do Acordo de Comércio e Cooperação Econômica assinado sábado entre o Brasil e os Estados Unidos, o artigo constitui um dispositivo inédito em um tratado bilateral entre os dois países.

Os itens C e D do artigo 2º estabelecem que a comissão criada por força do acordo terá poderes efetivos para mapear as oportunidades para expansão do comércio Brasil/EUA e para remover obstáculos que a impeçam. Pelo Anexo I do acordo, o trabalho da comissão examinará a facilitação e a liberalização do comércio, as medidas sanitárias e fitossanitárias dos dois países e os marcos regulatórios que afetam o comércio bilateral. No mesmo Anexo está previsto que "quaisquer outros assuntos que venham a ser decididos pela comissão" poderão ser submetidos à apreciação dos seus membros.

Dessa forma, o acordo põe fim à reclamação da diplomacia e do empresariado brasileiros, que há anos anseiam por um mecanismo efetivo que possibilite o debate ágil das controvérsias acerca dos negócios entre os dois países, incluindo a principal delas: o protecionismo norte-americano em diversos setores.

Antes desse acordo, só cabia ao Brasil exercer o iuris sperniandi contra o protecionismo junto à OMC, o que gera debates que são arrastados por anos pelas contestações de legitimidade dos pleitos, vide exemplo da contenda envolvendo a sobretaxa de importação aplicada pelos norte-americanos ao suco de laranja brasileiro ou do contencioso renitente de sete anos por conta dos subsídios concedidos aos produtores de algodão nos EUA.

Ao fim de 2010, o Brasil contabilizava dez processos de litígio comercial contra os norte-americanos na Organização Mundial do Comércio, todos sem previsão de deliberação. Com o estabelecimento de uma comissão paritária e autônoma, essa queda de braço agora se dará em um novo ambiente, onde o que vale é muito mais a eficiência da diplomacia brasileira no tête-à-tête com seus pares norte-americanos e a competência dos empresários nacionais para fazer negócios do que o exercício do direito de denunciar um parceiro comercial num órgão de regulação internacional.

O acordo surge no momento seguinte à crise que assolou o mundo em 2008. Um cenário que, somado ao índice de desemprego nos EUA de mais de 9%, intensificou nos últimos anos uma forte desconfiança quanto à tentação protecionista norte-americana. O receio era que uma "reação social" dos neo less dos EUA pudesse legitimar mais subsídios e sobretaxas, criando entraves para as exportações brasileiras, principalmente para os setores agrícola e siderúrgico. Enquanto esse medo era a tônica no Brasil e ocupava diplomatas, empresários e altas autoridades financeiras nacionais, se registrou um crescimento de 35% nas exportações norte-americanas para o país em 2010 e um deficit na balança comercial com os EUA de US$ 8 bilhões.

Por fim, o pânico protecionista se mostrou infundado, os EUA começaram a dar sinais de que sairão da crise sem esse expediente e ainda se estabelece agora uma instância efetiva para o país discutir mais convenientemente as pendengas com os norte-americanos. Então, o que poderia estar faltando a esse caldo para elevar o Brasil à condição de megaexportador de out commodities para os EUA? Exatamente, aprender com eles. Mais especificamente, com a atitude deles.

Barack Obama veio ao Brasil fazer o que os norte-americanos mais sabem fazer: promover negócios de todos os tipos e fomentar ainda mais as exportações dos EUA. Como revelou o vice-conselheiro de segurança nacional para assuntos de economia internacional do governo Obama, Mike Froman, "Essa viagem é fundamentalmente sobre a recuperação dos Estados Unidos, sobre as exportações dos Estados Unidos, sobre a relação crucial que a América Latina tem em nosso futuro econômico e na criação de empregos para os norte-americanos".

Toda a simpatia do Obama na visita ao Brasil não é de graça. Assim como também não sairá de graça o acordo bilateral firmado. O preço a pagar é comprar mais da indústria que impulsiona os EUA e permitir que os norte-americanos tenham participação nos negócios do petróleo do pré-sal. Os EUA saberão operar, e muito bem, no artigo 2º e no Anexo I do acordo assinado para conseguirem o que almejam.

De outro lado, o governo brasileiro, para aproveitar a razoável abertura do mercado dos EUA, terá que, definitivamente, expiar seus pecados enfrentando o Custo Brasil com seus tributos carregados, infraestrutura deficiente, juros altos que levam a uma moeda demasiadamente valorizada, burocracia excessiva, ineficiência estatal, falta crônica de investimento, péssima educação vendida em consórcios universitários e corrupção disseminada como metástase. A atitude de enfrentar isso é o que tornará o Brasil mais competitivo, mais protagonista no cenário internacional e mais apto a operar com resultados efetivos para o país, tanto em comissões bilaterais quanto na lógica da multipolaridade global.

Nos últimos 200 anos, as relações Brasil/EUA oscilaram entre o diálogo amistoso e a indiferença sutil. A visita de Obama e o acordo bilateral firmado despertam para a hora de mudar de atitude. Na relação com eles, com o restante do mercado mundial e, antes, internamente no próprio país. É hora de aprender alguma coisa boa com os norte-americanos. Eles não vieram ao Brasil a passeio porque não tem lugar no mundo para quem quer brincar de ser desenvolvido. É hora de trabalhar. A exemplo de Obama, que ensina: "Precisamos continuar brigando por cada novo emprego, cada nova indústria, cada novo mercado no século 21. Essa é uma das razões para a minha viagem à América Latina nesta semana". Thanks, Mr. President.

segunda-feira, 7 de março de 2011

A fome dos outros

por Rafael Sorano, segunda, 7 de março de 2011 às 07:41

Estamos acostumados aos índices das bolsas de valores, do Nasdaq, do dólar, do euro. Mas pouco ouvimos falar do índice FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). Esse índice mede a variação internacional do preço dos alimentos. Em fevereiro, o índice FAO alcançou seu nível mais elevado desde que a instituição baseada em Roma começou a monitorar os preços, chegando a 236 pontos com a alta de 2,2% no mês de fevereiro em relação a janeiro de 2011. Foi o oitavo mês consecutivo de altas.

O assunto é tão urgente que a cotação dos alimentos dominou o último Fórum Econômico Mundial de Davos (Suíça), em janeiro, quando o presidente francês Nicolas Sarkozy, atualmente no comando do G20 (grupo dos 20 países mais ricos do mundo), declarou: “Queremos a regulação dos mercados financeiros primários de commodities, se nós não fizermos nada, corremos o risco de revoltas por alimentos nos países mais pobres e de um efeito desfavorável sobre o crescimento econômico global”.

O medo de Sarkozy não é infundado. O The Wall Street Journal publicou uma matéria afirmando que, em razão da crise americana do subprime, os investidores em busca de alto retorno migraram para os contratos futuros de alimentos e metais e que ao menos 40% das apostas em mercados futuros de commodities estão em mãos de fundos altamente especulativos. O total dos recursos desses fundos investidos em índices de matérias-primas alcançou 360 bilhões de dólares em 2010, em comparação com 10 bilhões de dólares há dez anos. Com isso, os investidores passaram a influenciar, como nunca antes visto, os preços dos alimentos cotados na bolsa.

Sempre houve alguma especulação no mercado de alimentos mundial, mas até meados dos anos 1990 o preço ainda era definido por reais forças de oferta e demanda. Na época, após um pesado lobby de bancos, fundos de investimento de risco e defensores do "mercado livre" nos EUA e no Reino Unido, as regulamentações no mercado de commodities foram abolidas. Contratos para comprar e vender alimentos foram transformados em derivativos que poderiam ser comprados e vendidos por negociantes que não tinham relação alguma com a agricultura. Nascia um novo e irreal mercado de especulação de alimentos.

O Brasil, grande produtor agrícola que lucra com o aumento das cotações internacionais dos alimentos, é contra qualquer proposta de controle de preços. Hoje, ocupa o primeiro lugar no ranking de exportação em vários produtos: açúcar, carne bovina, carne de frango, café, suco de laranja, tabaco e álcool. Também é vice-líder em soja e milho e está na quarta posição na carne suína. "O Brasil é totalmente contra qualquer mecanismo para controlar ou regular os preços das commodities, de qualquer forma, os preços vão ceder naturalmente às forças do mercado", disse o Ministro da Fazenda Guido Mantega, um crente defensor do mercado "auto-regulado". Não estranho, essa também é a posição norte-americana para impedir a pretendida intervenção no mercado de commodities defendida por Sarkozy. Com o título de maior exportador mundial, os EUA venderam ao mundo aproximadamente US$ 140 bilhões em produtos agrícolas no ano passado, mais que o dobro das exportações brasileiras, segundo a OMC (Organização Mundial do Comércio).

O fato é que a especulação com os preços dos alimentos vem aumentando a fome severa no mundo, revertendo o quadro de ligeira melhora alcançado após a definição de metas pela ONU (Organização das Nações Unidas) para redução da desnutrição mundial. Segundo a FAO, 75 milhões de pessoas se tornaram mal nutridas em função do aumento recente de preços e, hoje, as quase 1 bilhão de pessoas que ainda não ingerem a quantidade mínima de calorias necessárias à sobrevivência humana estão mais distantes de um prato de comida e mais perto da morte por fome. A maioria desses famintos vive nos países em desenvolvimento, onde a fome atingiu 16% da população em 2010.

“Quase cem mil mortes diárias no planeta se devem à fome. Dentre elas, 30 mil são de crianças com menos de cinco anos. Mais do que três torres gêmeas por dia que se desmoronam em silêncio, sem que ninguém chore ou construa monumentos”, declarou Frei Betto, ex-coordenador do Programa Fome Zero, ao portal swissinfo.

Em 2009, 5,8% da população brasileira passou fome em algum momento por não ter recursos suficientes para comprar comida. Apesar do recuo em relação aos 8,2% de 2004, isso significa que 11,2 milhões de pessoas ainda viviam em situação de insegurança alimentar grave, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Quase 1 milhão delas eram crianças até quatro anos.

A indisposição do governo brasileiro em fazer coro contra o especulativo mercado de commodities agrícolas traz consigo outra séria consequência. No fim de 2010, o preço médio da terra no país alcançou níveis recordes. Foi a maior valorização anual desde 2008, revela pesquisa Informa Economics/FNP. No Sudeste, Nordeste e Norte, o preço do hectare chegou a dobrar em algumas regiões entre janeiro e dezembro de 2010. Na média do país, o preço de um hectare atingiu no último bimestre de 2010 mais de R$ 5 mil, com alta de 9,1% em relação a janeiro de 2010, índice que é quase o dobro do registrado em 2009 (5%). O alto preço das terras agricultáveis leva necessariamente ao aumento do preço dos alimentos produzidos no país.

Contribuiu também para esse boom, no vácuo de alguma regulamentação, a forte chegada de capitais de origem européia, norte-americana e japonesa para a compra terras no Brasil. O governo não tem dados exatos sobre a quantidade de terras em poder de estrangeiros. De 1971 até 1994 havia controle na aquisição de terras por empresas estrangeiras. Mas de 1994 até 2010 não houve nenhum controle. Hoje, de acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), pelo menos 5,5 milhões de hectares estão nas mãos de estrangeiros, aproximadamente 7% das terras agricultáveis do país. Porém, esses números podem estar subestimados, como constatou a procuradora regional da República Márcia Neves Pinto. "A lei obriga os cartórios de imóveis a manterem um registro de todos os negócios de terras feitos por pessoas ou empresas estrangeiras, mas os cartórios não estão fazendo isso", diz a procuradora.

Essa desconfiança é reforçada pelas operações da NAI Commercial Properties, multinacional do ramo imobiliário que intermediou cerca de 30 negócios envolvendo grandes áreas de terras no Brasil em 2010, a grande maioria com mais de 10 mil hectares e formada por uma ou mais fazendas. Desse total, 16 blocos foram adquiridos por fundos de investimento sediados em outros países. Conforme Aloísio Barinotti, presidente da empresa no Brasil, o interesse é cada vez maior. Em 2009, lembra ele, a NAI acertou a transferência de 12 grandes áreas no Brasil, oito delas compradas por fundos estrangeiros. Levantamento divulgado recentemente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que, em 2010, cerca de US$ 14 bilhões foram investidos em todo o mundo na compra de terras para a agricultura e, segundo a agência Reuters, o Brasil foi um dos principais destinos desses aportes.

"Não sabemos quanto do nosso território já pertence a estrangeiros e essa falta de controle põe em risco a soberania nacional porque grandes extensões de terra controladas do exterior podem se tornar entidades políticas independentes no seio do território nacional, como ocorre em outros países, criando dificuldades para a criação de um plano agrícola brasileiro", prediz a procuradora regional da República Márcia Neves Pinto.

Por falta de soberania ou por falta de um projeto que defina que tipo de agricultura interessa ao Brasil, o modelo agrícola que vem se impondo nas últimas décadas no país implica na redução da área plantada dos produtos alimentícios da cesta básica dos brasileiros. Segundo dados do IBGE, a área plantada no país com cana, soja e milho, produtos da cesta de commodities, aumentou 47%, enquanto a área de cultivo de arroz, feijão e mandioca, produtos da mesa cotidiana do brasileiro, teve redução de 17%. Destaques para a soja, com aumento de 91% de área de plantio, e para o arroz, que perdeu 27% de área. Ou seja, no Brasil, vem se plantando mais commodities negociadas nas bolsas internacionais que comida para a população do país.

Como resultado, em 2010, os preços dos 13 produtos agrícolas que compõem a alimentação básica dos brasileiros teve alta de 10% em média. O feijão subiu 50%, a carne e o açúcar, 20%. Considerando que a população mais pobre chega a gastar 70% do que ganha com a compra de alimentos, essa tendência de alta expressiva compromete a segurança alimentar de uma parte considerável da nação.

O Brasil está deixando rapidamente de produzir alimento humano para atender à demanda do mercado de grãos destinados à alimentação animal ou bioenergia. De toda produção mundial de milho e soja aproximadamente 55% vão para a alimentação de suínos e frangos ou para a geração de combustíveis a partir da biomassa. Apenas 45% é a parte destinada ao consumo humano. Na contramão da lógica do mercado, um relatório da FAO divulgado em 2009 prevê que a produção mundial de alimentos precisa aumentar em pelo menos 70% nos próximos 40 anos só para dar conta da demanda vegetativa do planeta. O Brasil tem papel de destaque nessa meta. Hoje, apenas Estados Unidos e União Europeia vendem mais alimentos no mundo que os agricultores e pecuaristas brasileiros, segundo a OMC.

A problemática agrária volta a ocupar as manchetes dos grandes meios de comunicação e a agenda política em todos os níveis. Manifestações populares em vários países contra o aumento dos preços dos alimentos parecem ter acordado aqueles que acreditavam que a questão agrária havia sido superada. O ex-ditador da Tunísia caiu após revoltas populares serem disparadas pelo aumento dos preços dos produtos de base. O mesmo aconteceu no Egito e ecoou por outros países do Oriente Médio, África e Ásia. Na América Latina, protestos na Argentina, Colômbia, Venezuela, Peru, México... Semana passada, manifestantes na Coréia do Norte gritavam "Não podemos viver! Precisamos de luz! Precisamos de arroz!". Isso deve servir de alerta às autoridades para que adotem medidas que evitem o agravamento da situação. "O risco é de surgimento de um clima de nervosismo e tensão na população dos países mais pobres", avisa a responsável pelo Escritório Regional da FAO para América Latina e Caribe, Ekaterina Krivonos .

Sarkozy levantou uma questão preocupante em Davos. O índice FAO de fevereiro acendeu a luz amarela. As manifestações em todo o mundo mostraram a indignação do povo. O Brasil finge que não tem nada com isso. Por exercício de prudência e humildade, seria bom que Mantega e a alta cúpula do governo refletissem sobre o que dizia Dom Hélder Câmara, um brasileiro indicado quatro vezes para o Nobel da Paz: "A fome dos outros condena a civilização dos que não têm fome".

Ditadura é ditadura

por Rafael Sorano, terça, 22 de fevereiro de 2011 às 21:53

Semana passada, caiu um “ditador de direita”. Se é que se pode creditar um ditador assim. A esquerda mundial comemorou, do Le Monde ao pasquim da esquina, passando pelos militantes do Facebook. Agora, é a vez de um “ditador de esquerda” cair. Ora, ditadores são ditadores. De esquerda ou de direita, o pronome de tratamento que se deve a eles é Ditador.

Em sã consciência, não dá para entender porque alguns ditadores ficam acima de qualquer julgamento moral pela esquerda. Kadafi é um exemplo desse salvo-conduto canhoto. Ditador, réu confesso de diversos massacres, assassino vil de seus opositores, talvez o único feito que possa justificar o silêncio incômodo daqueles que dizem lutar pelas liberdades e valores humanos seja o fato dele ter sido por anos um falastrão antiamericano. Parece que isso, por si só, é suficiente para conquistar a simpatia pétrea dessa gente “de esquerda”.

Kadafi, que nasceu  e viveu para ser revolucionário, como se a revolução fosse um fim em si mesmo, entrou para o exército aos 17 anos já com o objetivo de tomar o poder. Era um filho de classe média e, como tal, um tanto rebeldezinho. Sua ira freudiana aumentou, provavelmente, quando se sentiu abandonado pelos pais ainda pequeno para estudar numa escola burguesa, onde se destacava em literatura e geografia. Suas redações escolares de quando tinha pouco mais de 12 anos dão conta de uma personalidade excêntrica, com planos de golpe contra o rei Ídris. Acabou conseguindo o que queria, como todo bom mimado. Em 1969, tornou-se presidente da Líbia com apenas 27 anos de idade.

No poder, Kadafi, que agora é chamado de uma porção de variantes, como Gaddafi, Qaddafi, entre outras, também utilizou essa capacidade metamórfica para se aliar e desalinhar aos líderes mais nefastos da região Pan-arábica. Implementou as tradicionais políticas do nacionalismo secular estatizante, típicas das revoluções das décadas de 50 e 60 naquela área, declarando a Líbia como “Estado Socialista de Massas”, quiçá uma referência aos espaguetes do ex-colonizador. Os italianos e americanos foram expulsos, o álcool, as danceterias e os bares foram banidos junto com os partidos políticos, o estado assumiu o controle do petróleo e buscou-se a homogeneidade nacional em torno da língua árabe e dos preceitos morais do islã. Kadafi ainda escreveu o Livro Verde, uma espécie de constituição invejosa feita ao estilo do Livro Vermelho de Mao.

Como mandatário revolucionário, apoiou e financiou revoltas populares em todo o mundo com recursos do petróleo, que significa cerca de 95% das riquezas da Líbia até hoje. Comprou o respeito da “esquerda”, da Colômbia à Irlanda, com seu dinheiro fóssil e declarou-se Rei da África. Em sua linha de crédito também coube o financiamento de grupos terroristas como o Fatah e o Setembro Negro em ações que dinamitaram lojas, metralharam viajantes em aeroportos, explodiram aviões e produziram o massacre de Munique nos jogos olímpicos de 1972.

O envolvimento com o terrorismo nas décadas de 70 e 80 rendeu naquela época a Kadafi o status que tem hoje Bin Laden, o que custou à Líbia de tentativas de isolamento internacional ao bombardeio de Trípoli, em 1986, numa ação declarada, e inepta, de assassinato de Kadafi gestada por Reagan. Uma filha de Kadafi morreu nesse episódio. Em outra retaliação, foi  imposta pela ONU, em 1992, a asfixia econômica da Líbia por meio de um embargo que perdurou por sete anos.

Recentemente, Kadafi moderou o tom e tentou promover ações que pudessem aproximá-lo do ocidente. Como um malcriado arrependido, o ditador medroso, temente à ira bélica assanhada americana, posicionou-se contra a Al Qaeda, desintegrou voluntariamente suas próprias armas de destruição em massa e passou a convidar os “imperialistas” a investir em seu país socialista islâmico, tudo com a boa intenção de pacificar a região.

Cansadas de mais de 42 anos da autocracia que se manteve no poder por meio do uso da violência do estado, as pessoas, não mais os revolucionários, saíram às ruas na Líbia, motivadas pelos exemplos da Tunísia e do Egito. O El País tem a melhor definição dessas pessoas que não são de esquerda tampouco de direita: “São pessoas de todos os estamentos sociais, desde as classes mais altas às mais baixas. Mulheres, crianças, adolescentes, estudantes de medicina ou ativistas de direitos humanos, camareiros ou farmacêuticos, também há uma grande maioria de desempregados. Fecharam as ruas para pedir que devolvam seu país. Não têm um perfil determinado e o governo não é capaz de encarcerá-los. Saíram às ruas em todos os pontos do país e não pensam em voltar às suas casas até que alcancem o que almejam: liberdade, segurança, bem-estar, pão e democracia”.

Depois da crise americana e do colapso eminente das economias europeias, é bom que a esquerda ocidental saiba se posicionar num mundo multipolar, onde as revoluções são espontâneas e feitas por pessoas. Se não quiser desaparecer como os ditadores, a esquerda terá que aprender a lição que vem das ruas do mundo árabe. Inevitável se posicionar, rápida e intransigentemente, contra qualquer ditadura e qualquer ditador, sob pena de, omissa, ser pisada pelas pessoas que continuarão marchando para um mundo onde a libertação, leia-se no sentido amplo da palavra, e a democracia, leia-se no sentido estrito da palavra, farão a nova dialética. Acorda, esquerda!

Lucro da Vale triplica e chega a R$ 30 bilhões em 2010

por Rafael Sorano, sexta, 25 de fevereiro de 2011 às 09:56

Desde 1974, a maior exportadora de minério de ferro do mundo. Menina dos olhos dos mais radicais privatistas, em 1997, a Vale do Rio Doce foi vendida por R$ 3,3 bilhões depois de ser sub-avaliada pela sempre isenta corretora Marril Lynch. O valor foi menor do que o lucro da empresa na soma dos três meses seguintes à privatização. Naquele ano, a Vale lucrou R$ 12,5 bilhões. Sem dúvida, a história de um dos maiores roubos do país!

Mais 0,5% de falta de vergonha e mais 100% de ditadura econômica

por Rafael Sorano, quinta, 3 de março de 2011 às 04:15

Ontem, o ditador Banco Central entregou R$ 7,5 bilhões ao mercado financeiro anunciando mais uma alta de 0,5 ponto na taxa básica de juros do país. O valor equivale a quase quatro vezes o gasto previsto com o reajuste do Bolsa Família, anunciado no dia anterior, que deixou os "mercados nervosos" embora beneficie 50 milhões de brasileiros mais pobres.

Desde 19 de janeiro, o BC  já elevou em 1 ponto  a taxa de juros, agora fixada em 11,75% -a mais alta do mundo-. Significa que em apenas 41 dias, houve uma transferência de R$ 15 bilhões em recursos fiscais dos cofres públicos aos rentistas detentores da dívida interna. Em 2010, foram pagos, no total, R$ 195 bilhões em juros. Isso sim um exemplo de eficiente política de transferência de renda. Para os bancos, é claro!

Os alunos lobotômicos da Escola de Chicago que me desculpem (e que sejam exorcizados com Alho de Keynes), mas a ditadura do BC e os Chicago Boys têm que cair. E os "rebeldes" têm que sair da letargia covarde de suas organizações: Cadê a FIESP, por exemplo? Ou a OAB e os sindicatos? Onde estão todos enquanto naufragamos lentamente nessa ditadura de um BC autônomo?

PIB, Juro e Inflação: uma correção necessária antes que a mentira do 7º país mais rico pegue

por Rafael Sorano, quinta, 3 de março de 2011 às 18:35

Nunca se pagou tanto juro como em 2010. No ano, o gasto com encargos financeiros que incidem sobre a dívida pública somaram R$ 195,4 bilhões. Para comparar, os gastos somados em 2010 com saúde e educação, áreas fundamentais para um país que se pretende rico, foram de R$ 120,2 bilhões (61% do que foi pago em juro). A despesa total com todo o funcionalismo civil e militar foi de R$ 169,4 bilhões (86% do que foi pago em juro).

A elevação da taxa de juro é apresentada ao público (nós, o povo) como instrumento necessário ao controle inflacionário. A inflação em 2010 fechou em 5,9%, a maior em 6 anos, apesar da mais alta taxa de juro do planeta, sinal de que a política do Banco Central autônomo está equivocada também nisso. Há dois dias, o BC aumentou novamente a taxa de juro em 0,5%, elevando a Selic para 11,75% ao ano. Cada ponto a mais na Selic são R$ 15 bilhões de reais subtraídos do orçamento federal que se acrescentam à dívida pública na forma de juros. O total de dois pontos percentuais a mais que o “mercado nervosinho” exige para 2011 (já ganhou 0,5%) representará uma transferência de mais R$ 30 bilhões para os bancos credores.

Hoje, Mantega anunciou que o PIB brasileiro no ano passado subiu 7,5%, o que colocaria nossa economia como a 7º maior do mundo. Mas o mesmo Mantega omite que pagamos mais de 5,3% do total do PIB de 2010 em juros. Mantega deveria apresentar a seguinte equação: +7,5% PIB + (-5,3% Juros) + (-5,91 Inflação) = (-3,7% Decréscimo Econômico).

PIB alto não resulta necessariamente em crescimento econômico. Para medir se a economia efetivamente cresceu, faz-se necessário chegar, pelo menos, ao resultado da equação PIB-Juro-Inflação. Não adianta o PIB ter crescido em relação ao ano anterior e as riquezas produzidas no país terem sido comidas pelas pernas com pagamento de juro e pela inflação. Se o que ficou de fato na economia brasileira de todo o crescimento do PIB em 2010 fosse considerado para ranquear o Brasil frente aos outros países, estaríamos posicionados mais ou menos no 13º lugar.

Ah, em tempo: não é à toa que em 2010 o Brasil ficou no 88º lugar de 127 no ranking de educação feito pela Unesco, o braço da ONU para a cultura e educação. Com isso, o país está entre os de nível "médio" de desenvolvimento na área, atrás de Argentina, Chile e até mesmo Equador e Bolívia. E ainda temos 14 milhões de adultos analfabetos e 600 mil crianças fora da escola. Podemos continuar a tirar dinheiro da educação para pagar juro e festejar a farsa da 7º economia mais rica, caso esse seja o projeto de nação que queremos.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Os comentários sobre o teaser do Cozinha, Política e Videoteipe mostram que o programa vai mesmo emplacar na rede!



Agradecemos todos aqueles que nos enviaram mensagens de apoio. Destacamos algumas:

Lucia Hippolito   "...puxa, dei uma entrada rapidinha e achei muito interessante. Como eu cozinho também, achei a ideia genial. Abs e sucesso!"

Luiz Gustavo Medina   "Começaram bem hein !!! Parabéns..."

Priscila Topdjian   "Reduzir ao Kitch o que quer que seja dessa cozinha nossa de cada dia, seria nomear aquilo que não se entende bem e fim de papo, e assim passar distante daquilo que, pelo menos pra mim, está colocado neste cenário. Ah, e como eu queria ser esse pinguim da televisão - geladeira. Tínhamos nos esquecido do que era a nossa cozinha, estávamos tão ligados a de Ana Maria Braga, que o girassol da memória cotidiana posto à mesa, perdera a graça. Essa ressignificação de nossas raízes é de uma alma tão poética. E depois se sentam os olhares vorazes, ouvidos em vozes afáveis -como numa conversa de botequim. Os rapazes que não estão de terno, mas vestidos de generosidade, nos oferecem uma visão aquém de qualquer programa de TV - pretensiosamente “cultural”. Estou ansiosa em vivenciar as posteriores postagens, em assistir da política à arte que nos representam, nesse banquete que assim nos oferecem. Parabéns a todos pela iniciativa!"

Fernando Brengel   "Super legal! Hilário... Parabéns pela iniciativa, que tem tudo pra ser um sucesso. Já me inscrevi e estou seguindo o programa."

Bruno Mascarenhas   "O teaser está ótimo. Eu quero ver o Ciro Gomes."

Simone Costa   "Adorei! E essa cozinha Kitsch? Essa toalinha de girassóis... o cenário tá muito legal e pela galera promete. Quando estréia? Com quem (o Ciro)? Parabéns! Um beijo e sucesso sempre."

Marcelo Pacífico   "Ficou legal a chamada, hein. Gostei! Parabéns e muita MERDA no programa."

Inara Chayamiti   "Adorei tudo: ideia, cenário, imagens!!! hum, deu uma fome =) Manda mais!"



sábado, 8 de maio de 2010

A estética por trás do Cozinha, Política e Videoteipe

Explicar o que se mostra parece redundante, mas é preciso fazê-lo. Fico pensando em como se processa o interesse em entender o que nos propusemos a fazer. Há os que tentam nos comparar com o programa do Larica, com o do Ronnie Von e, daqui a pouco, até com o de Ana Maria Braga. Nada contra esses significativos e emblemáticos apresentadores, mas é bom dizer que nossa proposta é explícita e contundente por si só.
A opção por um cenário que reivindica o nacional popular não é um deboche, ao contrário, é o reconhecimento de uma estética persistente e que contempla uma simbologia extraordinária. Em cada signo há uma história multiplicada, em contraponto a uma estética asséptica e impoluta que neutraliza qualquer efeito conotativo.
Um cenário na contramão, corajoso e pertinente. Um cenário que dá unidade representativa a uma história não contada. O cenário está como um elemento de verdade, que dialoga com o refinamento da alta culinária brasileira e internacional comandada por ninguém menos que João Leme, um chefe que indaga os paladares mais refinados, procurados nas papilas gustativas de uma língua através da qual nos reconhecemos e falamos... entre o português e o estrangeiro. Misturas e misturas para externar perguntas, para visitar a história, a literatura, a TV, a publicidade, as novas tecnologias e a POLÍTICA, lida com maiúscula, aquela que toma decisões e que raramente contempla os cidadãos comuns.
Um repertório que vai do afeto à disposição, amigos de longa data -mais de 20 anos, diga-se de passagem-. Todos com uma legitimidade para ser reconhecida numa conversa. Este cenário nada tem de falso e os interlocutores, também não. A mentira não preserva a amizade por tanto tempo. Neste programa, doamos o afeto, o paladar apurado e as boas conversas, que às vezes podem soar como tensas e contraditórias, mas que revelam a vida que assim representam.
Quem se sentar à mesa deve sentir-se privilegiado. Não é todo dia que é aberto algo tão generoso, que nos leva a sentir o pulsar da vida em todas as suas dimensões. A mesa está posta, que venham os convidados. Que apareçam os tantos amigos escondidos pela vida, a vida malfadada, que os estreitou e assim os fez anônimos.
Manolo Huerta

A Chamada do Programa Cozinha, Política e Videoteipe